Numa Lisboa ainda marcada por debates sobre imigração, manifestações de imigrantes e comunicados oficiais vindos do Palácio de Belém, um tema passou a dominar tanto as conversas de bastidores quanto os grupos de WhatsApp de brasileiros em Portugal: a combinação explosiva entre as eleições presidenciais de 2026 e a nova Lei da Nacionalidade.
De um lado, o Parlamento já aprovou um pacote que endurece o acesso à cidadania portuguesa, aumentando prazos de residência e introduzindo novas hipóteses de perda de nacionalidade. De outro, o Tribunal Constitucional (TC) foi chamado a avaliar se essas mudanças respeitam ou não a Constituição, depois de o Partido Socialista (PS) pedir fiscalização preventiva de dois decretos ligados à Lei da Nacionalidade.
Enquanto isso, o país se prepara para eleger um novo Presidente da República em 18 de janeiro de 2026, data já inscrita no calendário oficial. O resultado dessa eleição não vai reescrever sozinho a Lei da Nacionalidade, mas pode definir o “tom” institucional com que Portugal tratará a cidadania, a imigração e as garantias constitucionais nos próximos cinco anos.
Em que pé está a nova Lei da Nacionalidade portuguesa?
Em 28 de outubro de 2025, a Assembleia da República aprovou um conjunto de alterações à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81), com 157 votos a favor (PSD, Chega, IL, CDS-PP e JPP) e 64 votos contra (PS, Livre, PCP, BE e PAN).
Entre os pontos mais sensíveis discutidos ao longo do ano estão:
- Aumento do prazo de residência legal para naturalização:
- de 5 para 10 anos, em regra geral;
- com um regime diferenciado, prevendo 7 anos para cidadãos da União Europeia e da CPLP, incluindo brasileiros.
- de 5 para 10 anos, em regra geral;
- Introdução de regras mais duras de perda da nacionalidade, permitindo que naturalizados há menos de 10 anos a percam por decisão judicial se forem condenados a pena de prisão efetiva (igual ou superior a 5 anos) por crimes graves, como homicídio, crimes sexuais, terrorismo, tráfico de drogas ou crimes contra o Estado.
- Ajustes em critérios e prazos que impactam diretamente descendentes de portugueses, imigrantes residentes e a diáspora.
Ao longo do processo, juristas e entidades da sociedade civil chamaram atenção para dois pontos particularmente controversos:
- Retroatividade – a ideia de fazer a nova lei produzir efeitos a partir de uma data passada (19 ou 20 de junho), impactando quem já vivia em Portugal sob regras anteriores. Vários especialistas qualificaram essa retroatividade como inconstitucional, por violar a proteção da confiança e a segurança jurídica.
- Proporcionalidade e determinabilidade – críticas ao desenho de certas normas de perda de nacionalidade e de restrição de direitos, consideradas vagas ou excessivas em face dos princípios constitucionais.
Diante da pressão técnica e política, o Governo recuou em parte: uma versão mais recente da proposta eliminou o regime de retroatividade e retirou uma norma considerada especialmente problemática pela Ordem dos Advogados.
Ainda assim, o pacote aprovado em outubro não está em vigor. Sem promulgação presidencial e com pedidos de fiscalização preventiva já protocolados no Tribunal Constitucional, as regras atuais continuam valendo para quem pede nacionalidade hoje.
Por que o Tribunal Constitucional entrou na história?
Em 19 de novembro de 2025, o PS confirmou que iria recorrer ao Tribunal Constitucional para pedir fiscalização preventiva dos dois decretos que alteram a Lei da Nacionalidade, incluindo o que trata da perda de nacionalidade como pena acessória.
Segundo o requerimento divulgado pelo, os socialistas apontam a “subsistência de inúmeras disposições” que aparentam colidir com a Constituição em temas como:
- proteção da confiança e dos efeitos no tempo das leis;
- proporcionalidade de restrições a direitos fundamentais;
- clareza e determinabilidade das normas;
- proibição de efeitos automáticos de condenações penais sobre direitos fundamentais, como a nacionalidade.
Com a entrada formal dos pedidos no Palácio Ratton, os juízes constitucionais têm 25 dias corridos para decidir se as normas contestadas são, ou não, compatíveis com a Lei Fundamental.
Não é a primeira vez que a política migratória portuguesa chega ao TC:
- Em julho de 2025, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou à fiscalização preventiva o decreto que alterava a Lei de Estrangeiros (Lei n.º 23/2007).
- Em agosto, o TC declarou inconstitucionais cinco disposições desse diploma, levando Marcelo a devolvê-lo ao Parlamento sem promulgação.
Esse histórico recente reforça a ideia de que, em Portugal, o embate sobre imigração e nacionalidade migrou do plenário da Assembleia para o Tribunal Constitucional, e é justamente nesse contexto que se aproximam as eleições presidenciais.
Calendário eleitoral: quando Portugal vai às urnas?
2025 já foi um ano politicamente turbulento. Depois de uma crise governativa, o Presidente dissolveu a Assembleia da República e marcou novas eleições legislativas para 18 de maio de 2025.
Mas é 2026 que concentra a próxima grande virada:
- As eleições presidenciais estão marcadas para 18 de janeiro de 2026, com mandato de cinco anos.
- Marcelo Rebelo de Sousa está a concluir o seu segundo mandato consecutivo (2021–2026) e, pela Constituição, não pode recandidatar-se imediatamente.
As sondagens divulgadas até novembro de 2025 mostram um campo competitivo, com vários pré-candidatos de diferentes quadrantes políticos, desde perfis mais conservadores, alinhados com o endurecimento das políticas migratórias, até figuras da esquerda que criticam abertamente o rumo da nova Lei da Nacionalidade.
Ao mesmo tempo, analistas notam que as questões migratórias e de cidadania têm sido um dos eixos centrais do debate público, não só nas legislativas de maio, marcadas por polêmica em torno da expulsão de imigrantes irregulares, como agora na corrida para Belém.
Como funciona a eleição presidencial em Portugal?
Para entender o impacto da eleição na Lei da Nacionalidade, é preciso entender primeiro o papel do Presidente da República.
Função do Presidente
O Presidente português é:
- Chefe de Estado, eleito diretamente pelo povo para mandato de cinco anos, com possibilidade de uma única reeleição consecutiva;
- Garantidor da Constituição, com poderes para:
- vetar politicamente diplomas do Parlamento;
- enviar leis à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional;
- promulgar ou recusar a promulgação de leis, após decisões do TC;
- dissolver a Assembleia da República em situações de crise política.
- vetar politicamente diplomas do Parlamento;
É justamente essa função de “árbitro” constitucional que torna a eleição de 2026 tão relevante para o destino da Lei da Nacionalidade.
Como se vota
O processo eleitoral presidencial é simples, mas com características próprias:
- Voto direto e universal: todos os cidadãos portugueses maiores de 18 anos podem votar, em Portugal ou no estrangeiro.
- Sistema de dois turnos:
- se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos válidos na primeira volta, há uma segunda entre os dois mais votados, duas semanas depois;
- se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos válidos na primeira volta, há uma segunda entre os dois mais votados, duas semanas depois;
- Requisitos para candidatura:
- idade mínima de 35 anos;
- entre 7.500 e 15.000 assinaturas de eleitores a apoiar a candidatura.
- idade mínima de 35 anos;
- Voto antecipado e no exterior: há mecanismos de voto antecipado em mobilidade e postos de voto em consulados e embaixadas, importantes para a ampla diáspora portuguesa.
Na prática, o Presidente eleito em janeiro de 2026 assumirá funções quando o “dossiê Lei da Nacionalidade” ainda estiver quente, seja para acompanhar a implementação de uma nova lei, seja para arbitrar uma eventual reconfiguração legislativa após decisões do Tribunal Constitucional.
Três cenários para a Lei da Nacionalidade depois do TC (e depois das eleições)
É impossível prever a decisão do Tribunal Constitucional, nem o resultado das eleições presidenciais. Mas, olhando para o que está na mesa hoje, é possível desenhar três cenários principais.
1. TC valida a lei, Marcelo promulga antes de deixar Belém
Se o TC concluir que as normas contestadas são compatíveis com a Constituição, o Presidente atual deixa de ter fundamento constitucional para recusar a promulgação quanto àquelas questões.
Ele ainda poderia usar o veto político, devolvendo o diploma ao Parlamento, mas, num contexto em que o TC já afastou dúvidas de constitucionalidade, essa opção teria um custo político elevado e exigiria nova maioria parlamentar para derrubar o veto.
Nesse cenário:
- a nova Lei da Nacionalidade seria promulgada ainda em 2025 ou início de 2026;
- o próximo Presidente herdaria a tarefa de acompanhar a implementação prática da lei, a regulamentação e os efeitos sobre imigrantes e descendentes;
- o debate público migraria do “se” para o “como”: como aplicar prazos maiores, regras de perda de nacionalidade e novos critérios sem ferir direitos adquiridos.
2. TC chumba parte da lei e o tema volta ao Parlamento
Se o TC considerar inconstitucionais algumas normas, por exemplo, formas automáticas de perda de nacionalidade, ambiguidades normativas ou efeitos temporais considerados desproporcionais, o Presidente deverá devolver o diploma à Assembleia da República sem promulgação.
Isso obrigaria o Parlamento a:
- reescrever as disposições consideradas inconstitucionais;
- decidir se mantém, atenua ou retira outras medidas controversas, mesmo quando não declaradas inconstitucionais.
O calendário aqui é crucial: dependendo da rapidez das negociações parlamentares, é possível que um texto revisto só chegue ao Presidente já em 2026, com um novo chefe de Estado em funções.
Nesse caso, o perfil político do novo Presidente, mais alinhado à linha dura migratória ou mais garantista em matéria de direitos, poderá influenciar:
- a disposição para vetos políticos;
- novas remessas ao TC, caso surjam dúvidas sobre versões reformuladas;
- o grau de pressão pública por ajustes adicionais.
3. Bloqueio prolongado e prolongamento da “janela de oportunidade”
Há ainda um cenário menos linear, mas relevante para quem acompanha o tema da cidadania: um impasse prolongado.
Ele pode surgir se:
- o TC apontar problemas, mas o Parlamento demorar a encontrar compromissos;
- a maioria parlamentar insistir em soluções que continuem a suscitar dúvidas constitucionais;
- o novo Presidente assumir uma postura mais interventiva, exigindo maior conformidade com a Constituição antes de promulgar.
Enquanto isso, vale lembrar: sem nova lei promulgada, valem as regras atuais.
É por isso que portais especializados têm falado numa verdadeira “janela de oportunidade” para quem já cumpre os atuais 5 anos de residência legal e ainda pode entrar com o pedido sob o regime em vigor, antes de eventual subida do prazo para 7 ou 10 anos.
O que tudo isso significa, na prática, para quem sonha com a cidadania portuguesa?
Para brasileiros e outros estrangeiros residentes em Portugal, ou para descendentes de portugueses espalhados pelo mundo, o quadro pode ser resumido assim:
- Hoje, nada mudou na prática
- Enquanto o diploma não for promulgado e publicado no Diário da República, as alterações não têm efeito.
- Processos já em curso seguem sendo analisados com base nas regras anteriores.
- Enquanto o diploma não for promulgado e publicado no Diário da República, as alterações não têm efeito.
- O risco futuro é real
- Se a nova lei entrar em vigor com prazos mais longos (7 ou 10 anos) e critérios mais apertados, muitos projetos de vida terão de ser replaneados, sobretudo para quem está no meio do caminho do tempo de residência.
- Se a nova lei entrar em vigor com prazos mais longos (7 ou 10 anos) e critérios mais apertados, muitos projetos de vida terão de ser replaneados, sobretudo para quem está no meio do caminho do tempo de residência.
- As eleições presidenciais são parte essencial da equação
- O Presidente eleito em janeiro de 2026 será o responsável por promulgar, vetar ou reenviar a eventual nova versão da lei que resulte do diálogo entre Parlamento e Tribunal Constitucional.
- Mais do que isso: será ele quem, durante cinco anos, arbitrará futuros pacotes de alterações migratórias, num contexto em que o TC já demonstrou disposição para travar normas consideradas excessivas.
- O Presidente eleito em janeiro de 2026 será o responsável por promulgar, vetar ou reenviar a eventual nova versão da lei que resulte do diálogo entre Parlamento e Tribunal Constitucional.
- Planejamento jurídico e temporal passa a ser estratégico
- Quem já reúne condições para pedir nacionalidade sob o regime atual tem um incentivo claro para não adiar decisões.
- Quem ainda está distante dos 5 anos precisa acompanhar o processo com atenção redobrada e, idealmente, com orientação técnica especializada – seja para aproveitar brechas transitórias, seja para recalcular prazos em caso de mudança de lei.
- Quem já reúne condições para pedir nacionalidade sob o regime atual tem um incentivo claro para não adiar decisões.
Como se preparar para os próximos meses
Para quem acompanha esse tema de perto e, em especial, para imigrantes e descendentes que pensam em 2026 como ano de virada, os próximos meses serão decisivos.
Alguns passos práticos:
- Acompanhar fontes oficiais
- Diário da República (para promulgação e publicação de leis);
- sites da Presidência da República, Tribunal Constitucional e Assembleia da República, que divulgam despachos, acórdãos e textos finais dos diplomas.
- Diário da República (para promulgação e publicação de leis);
- Desconfiar de boatos
- Até que haja decisão do TC e ato formal do Presidente (promulgação, veto ou devolução), qualquer frase do tipo “já mudou tudo” é, no mínimo, precipitada.
- Até que haja decisão do TC e ato formal do Presidente (promulgação, veto ou devolução), qualquer frase do tipo “já mudou tudo” é, no mínimo, precipitada.
- Ler análises qualificadas
- Artigos de juristas especializados em Direito Constitucional e migrações ajudam a entender não apenas o texto da lei, mas também seus limites constitucionais.
- Artigos de juristas especializados em Direito Constitucional e migrações ajudam a entender não apenas o texto da lei, mas também seus limites constitucionais.
- Analisar o próprio caso com cuidado
- Quem já tem 5 anos de residência legal e pretende naturalizar-se deve avaliar se faz sentido protocolar o pedido ainda sob as regras atuais, justamente porque a mudança para 7 ou 10 anos ainda não está em vigor, como destacam portais voltados à comunidade imigrante.
- Quem já tem 5 anos de residência legal e pretende naturalizar-se deve avaliar se faz sentido protocolar o pedido ainda sob as regras atuais, justamente porque a mudança para 7 ou 10 anos ainda não está em vigor, como destacam portais voltados à comunidade imigrante.
Mais do que nunca, o mapa da cidadania portuguesa está a ser redesenhado no cruzamento entre direito, política e eleições. Entender esse tabuleiro é fundamental para tomar decisões informadas, seja você um brasileiro que vive em Lisboa, um descendente de portugueses no Brasil ou alguém que sonha em transformar a nacionalidade portuguesa no seu passaporte para uma nova vida.
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