Quando o sangue fala mais alto que os documentos.
Imagine descobrir que você tem direito à cidadania italiana por ser descendente de um bisavô nascido em Nápoles. Você começa a reunir documentos, traduzir certidões, sonhar com uma vida na Europa. Mas, de repente, uma nova lei muda tudo*. Esse é o cenário enfrentado por milhares de ítalo-descendentes após a promulgação do Decreto Tajani, e agora — o destino dessa norma está nas mãos da Corte Constitucional da Itália.
Este artigo mergulha nos detalhes do decreto, no julgamento que pode derrubá-lo e nas implicações para quem busca o reconhecimento da cidadania italiana.
*O decreto não é válido em processos iniciados até dia 27 de março de 2025 às 23h59 (horário de Roma). Neste caso, a lei n.91/1922 é a que prevalece.
O que é o Decreto Tajani?
Promulgado em março de 2025 e convertido na Lei nº 72/2025, o Decreto Tajani alterou profundamente o processo de reconhecimento da cidadania italiana por descendência (ius sanguinis). As principais mudanças incluem:
- Restrição geracional: Apenas filhos e netos de italianos nascidos no exterior mantêm o direito à cidadania. Bisnetos, trinetos e gerações posteriores foram excluídas.
- Aumento de taxas: O custo para solicitar a cidadania aumentou significativamente, tornando o processo menos acessível.
- Exigência de vínculo cultural: A nova lei debate a possibilidade de comprovação de laços culturais com a Itália, como conhecimento da língua ou residência anterior.
E segundo o governo essas mudanças foram apresentadas como uma forma de preservar a identidade italiana e evitar abusos no sistema. No entanto, para muitos descendentes, o decreto representa uma ruptura com o direito histórico garantido pela Constituição de 1948.
O julgamento na Corte Constitucional
Em setembro de 2025, o Tribunal de Roma encaminhou à Corte Constitucional uma ação que questiona a validade do Decreto Tajani. O caso envolve oito requerentes venezuelanos que tiveram seus pedidos de cidadania negados com base na nova legislação.
A argumentação foi apresentada por duas associações jurídicas — AGIS (Associação Giuristi Iure Sanguinis) e AUCI (Avvocati Uniti per la Cittadinanza Italiana) — que alegam que o decreto viola princípios constitucionais, como igualdade de direitos e continuidade histórica da cidadania por sangue.
Etapas do julgamento
- Memoria di costituzione: As partes têm 20 dias para apresentar suas defesas escritas.
- Nomeação do Giudice Relatore: Um juiz será designado como relator do processo.
- Audiência pública: As partes apresentarão suas teses e o relator lerá seu parecer.
- Deliberação final: A decisão está prevista para ocorrer entre o final de 2025 e começo de 2026.
O impacto global da decisão
A cidadania italiana por ius sanguinis é uma das mais generosas do mundo. Estima-se que mais de 30 milhões de pessoas fora da Itália tenham direito ao reconhecimento, especialmente na América Latina. No Brasil, são milhões de descendentes de italianos que podem ser diretamente afetados pela decisão da Corte.
Se o decreto for considerado inconstitucional:
- Pedidos negados poderão ser reavaliados;
- Gerações excluídas poderão retomar seus processos;
- O Parlamento poderá ser obrigado a revisar a legislação.
Se for mantido:
- A cidadania italiana se tornará mais restrita;
- A judicialização dos processos deve aumentar;
- A busca por alternativas legais será intensificada.
Esses projetos mostram que o tema está longe de ser encerrado e que o debate sobre cidadania italiana continuará nos próximos anos.
O que fazer agora?
Se você é descendente de italianos e está em busca da cidadania, aqui estão algumas ações recomendadas:
- Revisite seu processo: Verifique se sua linha de descendência foi afetada pelo Decreto Tajani.
- Consulte especialistas: Advogados especializados podem orientar sobre estratégias judiciais.
- Acompanhe o julgamento: A decisão da Corte Constitucional será um divisor de águas.
- Prepare-se para mudanças: Esteja atento aos novos projetos de lei e às possíveis alterações no processo.
Entre raízes e direitos
O julgamento do Decreto Tajani é mais do que uma disputa jurídica — é um debate sobre identidade, pertencimento e justiça. Em um mundo cada vez mais conectado, onde fronteiras são digitais e decisões automatizadas, o reconhecimento da cidadania italiana se tornou uma questão de estratégia e resistência.
Se você tem sangue italiano, talvez esteja prestes a descobrir que esse vínculo é mais forte do que qualquer decreto. E que o direito à cidadania é, acima de tudo, uma forma de honrar suas raízes. Estaremos de olho em todas as atualizações da lei, para trazer todas as informações necessárias sobre o tema.